top of page

O Roteirista e a Feijoada

Uma das discussões mais freqüentes e sem fim no meio cinematográfico e seus derivados é a resposta à questão: quem é o autor do filme, o diretor ou o roteirista?

O diretor defende que é ele quem dá o conjunto da obra, quem transforma as páginas na obra viva, em movimento. O roteirista contrapõe dizendo que tudo começa com ele, mesmo que seja uma idéia encomendada, mesmo que a própria trama já exista, é ele quem primeiro visualiza a história a ser contada, são deles as cenas, os personagens, a maneira como cada um fala, a disposição dos acontecimentos, enfim, o que diferencia um filme de literatura ou qualquer outra forma narrativa.

Para complicar, há quem defenda ainda que o verdadeiro autor é o montador, afinal- e quem já acompanhou a edição de um filme sabe a extensão disso- é na ilha de edição que a história efetivamente toma forma, às vezes de forma radicalmente diferente do que havia sido concebido pelo roteirista e pelo diretor.

Por bem ou por mal, é essa a versão que vale, a que fica. Uma boa montagem revoluciona o trabalho dos outros dois, apura ou mesmo modifica por completo uma atuação, a disposição das cenas, o ritmo do filme em si.

Há ainda quem defenda que todos são autores- afinal, o cinema é uma arte colaborativa, depende do resultado do trabalho não apenas do roteirista, do diretor, do montador, mas também do fotógrafo, do músico, elenco… todos aqueles chamados de “acima da linha”, essas pessoas que desempenham um papel mais do que técnico, mas efetivamente pessoal.

E por que não o continuísta, o técnico de som, o assistente de direção, o eletricista? Não desempenham, também, papéis essenciais na confecção da obra? Afinal, de quem é o filme?

E o que isso tem a ver com a feijoada do título? A feijoada- e o porco- são uma pequena tentativa de colocar em perspectiva o papel do roteirista na realização de um filme. é bastante simples: o filme é a feijoada. O roteiro é o porco.

Como todos já devem ter tido a oportunidade de testemunhar, um porco e uma feijoada são duas coisas bem diferentes. Assim como o roteiro e o filme: o segundo é uma obra audiovisual, tridimensional, dinâmica.

Um roteiro é, antes de mais nada, uma peça literária. Serve apenas para ser lido, e por poucas pessoas: o diretor, o elenco, os produtores, enfim, toda a equipe que realiza um filme.

Ainda assim, o porco é o principal ingrediente da feijoada. Sem porco, não há feijoada. Novamente, o mesmo se aplica em cinema: sem um roteiro, não há filme. Pode-se substituir um ingrediente ou outro, pode-se abrir mão de um tempero ou de algum complemento, mas experimente tirar o porco da receita.

Os engraçadinhos podem dizer que é possível fazer uma feijoada vegetariana, mas cá entre nós, não é a mesma coisa. é outro prato, apenas com o mesmo nome.

O que não faz com que o filme seja a tradução do roteiro- basta olhar novamente para o porco, e ver que ele não faz uma feijoada sozinho. Se o roteirista é quem fornece o porco, então qual é o papel do diretor? A resposta é óbvia: ele é o cozinheiro.

é quem prepara o prato, junta os ingredientes, determina o tempo no fogo. Os outros ingredientes são fornecidos pelo restante da equipe. Quem já entrou numa cozinha de restaurante sabe a quantidade de pessoas envolvidas na confecção de um prato. Aliás, já que entramos na cozinha, o papel do produtor fica claro aqui: ele é o dono do restaurante.

Assim como ninguém vai ao restaurante comer um porco vivo, ninguém vai ao cinema assistir a um roteiro- num mundo ideal, este já não existe, está completamente mesclado à obra cinematográfica. Assim como ninguém vai assistir a uma direção- o trabalho do diretor, num mundo ainda mais ideal, é invisível, apenas o resultado de seu trabalho pode ser apreciado.

As engrenagens não aparecem- apenas os ponteiros se movendo, para usar uma outra imagem. O mesmo vale para todas as demais atribuições. O olho treinado, evidentemente, é capaz de perceber cada um dos elementos de um filme, ou pelo menos aqueles que lhe interessam.

Mas grandes filmes têm a capacidade de te fazer esquecer disso, pelo menos durante aqueles noventa e poucos minutos. Justamente porque o todo é maior do que a soma de suas partes.

As pessoas, na verdade, vão ao cinema ver uma boa história- e um roteiro é apenas parte disso. O roteiro, como já foi dito, é uma obra literária, feita para ser lida por algumas poucas pessoas , mas quanto é isso diante do público médio de um filme?

– Como tal, possui uma função importantíssima (além de, evidentemente, definir quem são os personagens, suas motivações, apresentar a história, desenvolver os conflitos, estabelecer os percalços, até a resolução e o final quase sempre feliz): é ele quem motiva as pessoas a querer, também, contar aquela história.

é um bom roteiro que motiva elenco e equipe a dar o melhor de si, a acreditar no resultado. Se sua leitura é enfadonha, se a trama não anda, se os diálogos são duros, se a resolução é pífia, tudo isso influi negativamente, e as pessoas encaram apenas como mais um trabalho.

Mas quando há algo mais ali- bom, o roteiro é a porta de entrada. é a primeira e mais duradoura impressão. Quando é bom, todos dão o melhor de si. Pode-se argumentar que essa motivação é a função do diretor- mas o diretor é o primeiro a ler, o primeiro a ser motivado.

Se o porco não for de boa qualidade, se estiver doente, se estiver muito magro, a feijoada não sairá boa. Poderá até enganar, mas não ficará boa. Independente do talento do cozinheiro. Por outro lado, não importa o quanto o porco seja apetitoso, nas mãos de um cozinheiro ruim, o resultado será desastroso.

A verdade é que tudo passa pelas mãos do cozinheiro, é ele quem define como será preparado, é ele quem dará seu toque pessoal- desde que de acordo com o que querem os donos do restaurante, que podem e devem supervisionar e determinar o que será preparado- mas devem ter o bom senso de não acrescentarem um “pouquinho a mais de sal”.

A feijoada é responsabilidade do cozinheiro, de fato. Mas ainda assim ele depende do porco. E, desse, ninguém entende melhor do que seus criadores. Talvez não seja a situação mais atraente para quem gostaria de oferecer o porco diretamente para os clientes.

Talvez os criadores não gostem da maneira como o chef faz o corte do porco (sim; o porco, além de tudo, é cortado, muitas partes não são aproveitadas, inclusive partes que podem ser essenciais, na opinião dos criadores, para que a feijoada fique boa). Mas vale sempre um alento: é preciso do porco pra fazer feijoada.

Mas, caso não goste de feijoada… ou dessa feijoada… sempre dá pra grelhar umas costelinhas. Ainda assim, o porco é o principal ingrediente da feijoada. Sem porco, não há feijoada.

Novamente, o mesmo se aplica em cinema: sem um roteiro, não há filme. Pode-se substituir um ingrediente ou outro, pode-se abrir mão de um tempero ou de algum complemento, mas experimente tirar o porco da receita. Os engraçadinhos podem dizer que é possível fazer uma feijoada vegetariana, mas cá entre nós, não é a mesma coisa. é outro prato, apenas com o mesmo nome.

Mulheres e gênero no 8M

O COMITÊ DE MULHERES & GÊNERO da ABRA em parceria com a Colabcine promove durante três semanas debates sobre a questão de gênero,...

Comments


bottom of page