A população brasileira tem acesso restrito à produção audiovisual independente do país. Não somente por que esse conteúdo não encontra espaços de distribuição e exibição, mas também por que muitas vezes nem consegue ser produzido, pela dificuldade de financiamento. Isso sem contar a quase inexistência de políticas públicas para essa área.
O Brasil não possui nenhum tipo de fundo para financiar os projetos independentes. O que existe hoje são alguns mecanismos possibilitados por brechas na Lei do Audiovisual.
O artigo 3o estabelece que os contribuintes do imposto de renda sobre remessa para o exterior podem utilizar 70% do imposto devido na co-produção de longa-metragens, telefilmes e minisséries e obras cinematográficas, sempre de produção brasileira e independente.
Já o artigo 39 da MP 2228-1/01 possibilita que a programadora de TV fechada que destinar para a produção ou co-produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras independentes 3% da remessa de lucro para suas matrizes, fique isenta de pagar 11% do seu faturamento para a Condecine (Contribuição Nacional para o Desenvolvimento da Indústria do Cinema).
No livro “Democracia Audiovisual”, o autor André Martinez aponta que “a produção de televisão tem uma série de especificidades que não são contempladas devidamente por leis de incentivo tradicionais.
Essas leis foram pensadas para realizar filmes, mas isso é apenas parte da programação televisiva.” Na mesma obra, ele apresenta o PROAV, um projeto estratégico para o desenvolvimento audiovisual, que contempla o incentivo à produção independente em TV. Duas das propostas descritas no livro são o Banco de Producão Independente para Televisão e a Incubadora de Produção Independente para TV na TV pública.
Mas se os incentivos fiscais ainda se mostram tímidos enquanto fomento da produção independente, o problema é ainda maior quando se trata da distribuição e exibição, pois não existem leis ou políticas públicas que possam garantir esses canais.
No caso do artigo 39, as programadoras acabam exigindo a exibição da produção nos seus mercados estrangeiros, e muitas vezes ficam com os direitos patrimoniais durante alguns anos, antes de deixá-los nas mãos das produtoras brasileiras, o que seria o previsto em lei.
Em janeiro passado, a Record e a Fox passaram a exibir simultaneamente a série “Avassaladoras”, uma co-produção entre a produtora independente Total Entertainment e a Fox, produzida parcialmente com benefícios ficais. A Record comprou os direitos de exibição, levantando polêmica.
Independência ou morte (2)
André Fonseca
Alguns profissionais da área audiovisual entenderam que uma rede de TV aberta (que é concessão pública) acabou sendo indiretamente beneficiada pelos recursos públicos, sem oferecer nenhum tipo de apoio à produção independente. As emissoras de TV costumam se defender argumentando que estão dando um benefício ao espectador, que passa a ter acesso a mais conteúdo produzido nacionalmente.
Assunção Hernandez, representante brasileira da Federação Ibero-Americana de Produtores de Cinema e Audiovisual, defende uma cota para a produção independente na TV. “O modelo que melhor funciona é o da França. Há uma regulação do espaço nas TVs, com restrições a horários competitivos para exibição de programações ou publicidades que concorram com o cinema.” Ela também é a favor da taxação: “O modelo da Espanha é bastante conveniente.
Destina-se um percentual do faturamento para as produções independentes de audiovisual. Há também uma taxa sobre as mídias virgens que são usadas para copiar conteúdo audiovisual. O resultante dessa taxa vai direto a um fundo da entidade que representa os produtores”.
Hernandez lembra que o cinema nacional na França ocupa 50% das salas de exibição e algumas vezes supera este percentual. “Há cotas de exibição de filmes franceses e europeus, como exigência de legislação nacional e do parlamento europeu.” A França é um dos únicos países no mundo onde o cinema local consegue enfrentar a hegemonia hollywoodiana.
Nos EUA, que possui a indústria audiovisual mais forte do mundo, as redes de TV têm um limite de horas para exibir programação própria. Os seriados e reality shows americanos que tanto sucesso fazem ali e no mundo são geralmente realizados por produtoras.
Para estas, Newton Cannito, diretor do IETV (Instituto de Estudos de Televisão), defende políticas de financiamento para as pequenas, médias e até mesmo as grandes. “O erro histórico do audiovisual brasileiro foi ter políticas públicas que patrocinam projetos. As políticas têm que aprender a financiar empresas e processos. É isso que dará a futura estabilidade do mercado.
Essas políticas seriam a partir da apresentação de planos de negócios de vários anos. Seriam empréstimos, no modelo do BNDES para financiar outras empresas. Com o complemento de políticas de capitais de risco, que podem seguir modelos que a FAPESP usa para financiar empresas de softwares (que a grosso modo tambem são conteúdos e precisam de investimento de risco).”
Independência ou morte (3)
André Fonseca
Um projeto de lei de autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) estipula regras para a veiculação na TV de produção independente e regional, conforme o Estado onde estão localizadas as sedes da emissora e suas afiliadas. Criado em 1991, o projeto vem tramitando no Congresso desde então, e encontra-se agora na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Outro projeto para a área é do deputado Chico Sardelli (PV-SP), e institui o Programa de Estímulo à Produção Audiovisual Independente (Pepai) e também um fundo para captar e destinar recursos para o financiamento do programa. A proposta está na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.
Mas a televisão e o cinema não devem ser pensados como os únicos canais para a distribuição e exibição da produção independente, de acordo com Cannito. “É possível criar produtos direto para o mercado de DVD, alguns distribuídos diretamente em bancas de jornais e outros para públicos como a Rede Pública de Ensino. E ainda outros para mídias novas, como celular. Em geral, o ideal é ter produtos com estratégias simultâneas para lançamento em variás mídias, das quais o cinema é apenas uma das possíveis no leque de janelas do plano de negócios.”
Como saída para driblar as dificuldades internas, muitas produtoras têm buscado o caminho da co-produção e exibição internacional. A Mip-Com, que acontece em outubro na França e é o principal evento mundial de programação para TVs, tem sido um dos focos. O Brasil já tem um estande na feira e em 2005, foram fechados negócios que representaram cerca de US$15 milhões. Com a riqueza cultural do país, as produções locais costumam ter boa recepção no evento, mas as produtoras nacionais muitas vezes não conseguem fechar os negócios por não terem como viabilizar a sua parte financeira no acordo.
A APEX-Brasil (Agência de Promoção de Exportação), através do seu Projeto de Promoção de Exportação da Indústria Brasileira de Áudio-visual, tem realizado ações que visam inserir as produtoras nacionais no mercado externo.
Christiano Braga (Gerente Nacional da Carteira de Projetos de Serviços, Cultura e Entretenimento) explica melhor: “Esse projeto buscará ampliar a participação de novas empresas no mercado mundial de TV considerando as vantagens competitivas do Brasil, assim como criando condições para aprofundar a participação do país em segmentos específicos desse mercado como é o caso da animação e da programação infantil.” Segundo ele, o potencial é promissor: “Com constantes investimentos em mão de obra e tecnologia, o Brasil pode competir de igual para igual com seus concorrentes internacionais.”
Apoiar e fomentar o conteúdo audiovisual independente significa democratizar a comunicação, criar novas oportunidades de emprego, evitar a formação de monopólios nesse setor e dar abertura para que a diversidade cultural do país seja mostrada aos brasileiros. Essa produção é ainda um dos vértices fundamentais para desenvolver e consolidar a indústria audiovisual brasileira, como os EUA e a França já provaram.
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